Hiperplasia simples versus endométrio proliferativo: estudo estereológico

ARTIGO ORIGINAL

Hiperplasia simples versus endométrio proliferativo: estudo estereológico

Elyzabeth Avvad-PortariI, II; Nádia D. GomesI; Carlos A. Mandarim-de-LacerdaII

Departamento de Patologia e Laboratórios, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil
IILaboratório de Morfometria e Morfologia Cardiovascular, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Brasil

Correspondência

ABSTRACT

O diagnóstico de algumas formas de endométrio hiperplástico continua a apresentar dificuldades para o patologista praticante. Um dos maiores problemas é a falta de uma terminologia padrão para a classificação endometrial. Por conseguinte, as técnicas morfométricas podem ajudar a um diagnóstico preciso. Treze amostras de endométrio com hiperplasia simples e treze amostras de endométrio proliferativo foram analisadas por microscopia ligeira e estereologia. Determinámos a densidade do volume, a densidade da superfície e a densidade do comprimento (Vv, Sv, Lv) das glândulas (epitélio e lúmen) e do estroma. As densidades de volume do epitélio e do lúmen, bem como a densidade superficial do perímetro interno das glândulas foram maiores na hiperplasia simples do que no endométrio proliferativo (p < 0,05). Mas a densidade de volume do estroma era maior na endometria proliferativa do que na hiperplasia simples (p < 0,05). A densidade do comprimento das glândulas e a densidade da superfície do perímetro exterior não foram diferentes comparando estes dois grupos. Os resultados actuais concordam com estudos anteriores que salientaram a importância dos parâmetros quantitativos no diagnóstico das patologias endometriais, oferecendo novos parâmetros estereológicos para esta análise.

Palavras-chave: Simple hyperplasia, Proliferative endometrium, Stereology

RESUMO

O diagnóstico de algumas formas de hiperplasia endometrial é freqüentemente difícil porque há controvérsias sobre os critérios histológicos. Por isso, técnicas morfométricas poderiam auxiliar na acurácia deste diagnóstico. Com microscopia óptica e estereologia foram estudados treze casos em cada grupo: hiperplasia simples e endométrio proliferativo. As glândulas (epitélio e luz) e o estroma foram estudados, determinando-se as densidades de volume, de superfície e de comprimento (Vv, Sv, Lv). As densidades de volume do epitélio e luz glandular, bem como a densidade de superfície interna das glândulas, foram maiores na hiperplasia simples quando comparadas com o endométrio proliferativo (p < 0,05). No entanto, a densidade de volume do estroma foi maior no endométrio proliferativo quando comparado com a hiperplasia simples. A densidade de comprimento e a densidade de superfície externa não foram diferentes comparando estes dois grupos. Os resultados obtidos concordam com estudos prévios que demonstraram a importância de parâmetros quantitativos no diagnóstico das patologias do endométrio, oferecendo novos parâmetros estereológicos para esta análise.

Unitermos: Hiperplasia simples, Endométrio proliferativo, Estereologia

Introduction

Endometrial adenocarcinoma is one of the most common malignant neoplasms of the female genital tract, considered to have a hormone-dependent malignancy (13, 21, 22). The subtype estrogen-dependent carcinoma is frequently related to the endometrial hyperplasia, that constitutes a heterogeneous group of abnormal proliferations, some of which are precursors of endometrial carcinoma (23, 24, 25).

The endometrial hyperplasia and the well-differentiated adenocarcinoma might represent distinct stages of the same disease (11). Entre os estados proliferativos do endométrio há um contínuo morfológico, que inclui o endométrio proliferativo; endométrio proliferativo persistente relacionado com ciclos anovulatórios; hiperplasia simples e complexa com e sem atipias; adenocarcinoma bem diferenciado e adenocarcinoma mal diferenciado (29).

Os casos típicos e extremos deste espectro nos aspectos benignos e malignos são facilmente diagnosticados, mas há casos em que o diagnóstico se torna extremamente difícil. No continuum morfológico existem dois pontos de dificuldade diagnóstica para o patologista. Um deles é como definir as lesões que são, de facto, proliferações neoplásicas malignas (adenocarcinoma bem diferenciado) das que são potencialmente malignas (hiperplasia atípica). O outro problema é estabelecer a diferença, com razoável certeza, entre o endométrio proliferativo nãoneoplásico e a hiperplasia simples.

Na prática diária, o diagnóstico diferencial mais frequentemente imposto acontece entre o endométrio proliferativo e a hiperplasia simples, particularmente nas mulheres perimenopausa (13, 19).

A subjectividade no diagnóstico histopatológico é oprimida pela falta de parâmetros que são plenamente aceites no diagnóstico da hiperplasia. Portanto, existem muitas classificações de hiperplasia endometrial, o que causa a má compreensão das diferentes descrições (11, 16).

Frontando o problema da reprodutibilidade, a falta de acordo de diagnóstico enfatiza a necessidade óbvia de critérios objectivos. Nos últimos anos, têm sido utilizados novos métodos eficazes na definição de lesões limite. A morfometria oferece-nos a possibilidade de quantificar microscopicamente as alterações morfológicas que ocorrem nas células e tecidos em todos os processos patológicos e estabelecer com precisão o grau de alterações patológicas (8). Esta metodologia mostra que a reprodutibilidade e consistência das classificações microscópicas quantitativas são superiores às da classificação subjectiva de rotina (1, 3).

Por conseguinte, o presente trabalho visa estudar quantitativamente casos de hiperplasia simples e de endométrio proliferativo normal, a fim de ajudar no diagnóstico da hiperplasia endometrial.

Métodos

Três blocos de endométrio proliferativo fixados em formol e processados em parafina e 13 de hiperplasia simples foram obtidos dos ficheiros do Departamento de Patologia (Uerj).

A idade dos pacientes variou entre os 40 e 55 anos e os espécimes foram obtidos por biopsia.

Dois patologistas reviram as lâminas.

Cinco secções de µm de espessura foram cortadas de cada bloco de parafina e coradas com hematoxilina e eosina.

O estudo estereológico foi realizado no Laboratório de Morfologia e Morfometria, Instituto de Biologia, Uerj. Foram observados cinco campos microscópicos de cada secção respeitando a iluminação Köhler, com uma ampliação de 400 vezes num microscópio Nikon Alphaphoto. O âmbito da estereologia consiste em determinar parâmetros quantitativos tridimensionais de estruturas morfológicas a partir de contagens bi-dimensionais. Para isso, a estereologia utiliza a geometria e a estatística probabilística e é determinada a partir de contagens de pontos de teste e de intersecções de teste, aplicando algumas fórmulas matemáticas previamente definidas. A avaliação de muitos parâmetros estereológicos necessita de contar com secções isotrópicas e aleatórias como requisito. Um sistema de teste é um sistema de linhas (linhas rectas ou curvas) e pontos. Isto deve ser sobreposto a uma imagem morfológica para a contagem estereológica (17). Neste estudo, utilizámos o sistema de teste denominado M42 por Weibel et al. (27), que tem 42 pontos de teste, a linha de teste mede 21d e a área de teste mede 36,36d2 (Figura 1). O sistema de teste M42 foi montado na ocular x10 CFW Nikon (Tonbridge®, Inglaterra) (18, 28).

usando a estereologia, os parâmetros foram alcançados. As glândulas endometriais e as características do estroma foram calculadas separadamente. As densidades de volume das glândulas (lúmen, epitélio) e o estroma foram determinados por contagem de pontos. As densidades da superfície externa e interna das glândulas foram calculadas por contagem de intersecções.

a) Densidades de volume (Vv) (epitélio, estroma e lúmen):

Pp é o número de pontos de teste na estrutura, PT _ número de pontos totais de teste.

b) Densidades superficiais (Sv) das glândulas endometriais interna e externa:

onde eu sou as intersecções das superfícies interna e externa da glândula com a linha de ensaio, LT é o comprimento da linha de ensaio.

c) Densidade do comprimento (Lv) das glândulas:

QA é o número dos perfis glandulares na área de teste.

O coeficiente de erro para as estimativas estereológicas foi calculado como a razão entre o erro padrão e a média. As diferenças quantitativas dos parâmetros estereológicos comparando os dois grupos foram analisadas com o teste não paramétrico de Mann-Whitney de duas faces com o nível significativo (p) a 0,05.

Resultados

A Tabela e as Figuras 2 a 5 resumem os resultados. Todos os parâmetros foram diferentes comparando a hiperplasia simples e o endométrio proliferativo, excepto para Sv e Lv.

Discussão

A medida morfométrica (espessura e parâmetros nucleares do epitélio glandular) parecia não ser muito importante para estabelecer a diferença entre endométrio normal e patológico (2, 6, 7, 10, 12, 20, e 26). Por outro lado, as medidas estereológicas mostraram uma maior correlação com as patologias endometriais. O Vv foi o melhor factor discriminante entre hiperplasia e adenocarcinoma (1, 6).

A interpretação dos resultados quantitativos da hiperplasia e do endométrio proliferativo é difícil devido à falta de pesquisas sobre este assunto. No presente estudo, as diferenças dos Vv, Vv, Vv e Sv foram estatisticamente significativas comparando a hiperplasia simples com o endométrio proliferativo. O Sv e o Lv não apresentaram diferenças significativas entre estes dois grupos. Os nossos resultados são semelhantes aos do recente trabalho estereológico que estudou muitos grupos de amostras de endométrio, incluindo o grupo proliferativo normal e a hiperplasia simples (1).

O Vv foi maior na hiperplasia simples do que na endometria proliferativa. Esta diferença poderia ser explicada mesmo pelo aumento das glândulas bem como pela hiperplasia do epitélio, reflectindo o típico epitélio estratificado ou pseudo-estratificado observado nos casos de hiperplasia simples. Devido a isto, alguns autores descreveram o poder diagnóstico discriminatório do Vv e a sua importância nas alterações arquitectónicas que ocorrem no endométrio (1, 6). O conhecimento tridimensional (características arquitectónicas) é considerado mais importante do que a avaliação nuclear morfométrica linear na discriminação das lesões endometriais (4-7, 20, e 26).

A hiperplasia simples tinha Vv menor do que o endométrio proliferativo; isto pode ser devido, provavelmente, à diminuição relativa do estroma causada pelo aumento do número e tamanho das glândulas hiperplásticas. Na hiperplasia simples, as glândulas têm geralmente tendência a ser apinhadas e com grandes diâmetros (dilatação luminal). A literatura é omissa sobre estes dados relativos à hiperplasia simples e ao endométrio proliferativo. Baak et al. (4, 6, 9), estudando a hiperplasia atípica e adenocarcinoma bem diferenciado do endométrio, observaram que o Vv era um dos parâmetros mais importantes nesta distinção e na observação prognóstica. O Vv diminui nestes casos devido ao maior sortido glandular observado nos casos de adenocarcinoma, e à sua imagem típica de “costas com costas”.

Na distinção entre hiperplasia e adenocarcinoma, o Sv foi apontado como um parâmetro importante (6). Os resultados actuais demonstraram uma diferença significativa do Sv entre hiperplasia simples e endométrio proliferativo, que pode ser explicada pela presença de inflexões do epitélio no lúmen e também pelo aumento do perímetro interno glandular (do lúmen), observado no endométrio hiperplástico.

Por outro lado, o Sv não era diferente entre os dois grupos de pacientes. Baak et al. (6) encontraram resultados semelhantes relativamente ao Sv glandular em carcinomas bem diferenciados e moderadamente diferenciados. Este resultado poderia ser explicado pelo facto de termos dilatação cística de algumas das glândulas na hiperplasia simples quando comparada com o endométrio proliferativo e depois, parte da superfície externa das glândulas cisticamente dilatadas pode desaparecer fora do quadro. Portanto, a superfície externa por mm3 diminui, embora, claro, no volume total do tecido, a superfície total ainda possa aumentar.

Nas amostras de endométrio com hiperplasia, a dilatação cística da maioria das glândulas (hiperplasia cística) pode explicar o maior Vv encontrado em casos de hiperplasia simples. Os critérios morfológicos para o diagnóstico de hiperplasia simples (Kurman & classificação de Norris) (15) incluem alterações arquitectónicas que correspondem à hiperplasia cística (glândulas que estão cisticamente dilatadas) e à hiperplasia complexa (glândulas com brotação e invaginação). Estes critérios não modificaram a análise do Vv. Baak et al. (6) lembraram que as glândulas hiperplásticas que apresentam invaginação sempre associaram um certo grau de dilatação luminal quando comparadas com o endométrio proliferativo.

Os Vv apresentaram uma tendência oposta a Vv e Vv porque num volume do endométrio (volume de teste) as densidades que estão relacionadas com a glândula (Vv + Vv) e Vv são complementares. Isto significa que em casos simples de hiperplasia em comparação com o endométrio proliferativo, os Vv e Vv têm tendência a ser maiores enquanto os Vv têm tendência a ser menores no primeiro grupo.

P>Podemos concluir que os Vv, Vv, Vv e Sv permitem estabelecer diferenças entre os dois grupos de casos (hiperplasia simples e endométrio proliferativo).

Aereologia tem sido considerada uma metodologia que requer tempo. No entanto, a nova estereologia e as instalações adquiridas pelo equipamento semi-automático tornaram este método não exigente e preciso (18). O presente estudo demonstrou que a estereologia tem interesse em casos como a hiperplasia simples e o endométrio proliferativo e pode ser utilizado como método complementar no diagnóstico histopatológico. A quantificação das imagens histológicas é fácil e barata e estas técnicas permitem ao patologista chegar a um diagnóstico definitivo de uma forma objectiva e reprodutível.

Agradecimentos

Este trabalho foi parcialmente apoiado pelo CNPq (52.23.73/95-0) e Faperj (E-26/170.315/95).

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