IV. Importância dos nucleótidos alimentares na nutrição infantil
Estudos recentes sugerem que os nucleótidos alimentares (purinas e bases de pirimidina) podem ser semi-essenciais para animais recém-nascidos. Os tecidos de crescimento rápido, tais como o epitélio intestinal e as células linfóides, têm uma procura crescente de purinas e bases de pirimidina. Os ácidos nucleicos, nucleotídeos, e os seus produtos metabólicos relacionados estão presentes no leite humano em quantidades relativamente grandes. O seu significado nutricional para o bebé humano tem sido objecto de estudos recentes e de muito interesse (McGillivray, 1983; Quan et al., 1990). A adição de nucleótidos à fórmula infantil, uma prática iniciada no Japão e actualmente em implementação em alguns países europeus, baseada em estudos que sugerem potenciais benefícios para a imunidade, absorção de ferro, flora intestinal, metabolismo lipídico, e crescimento e desenvolvimento intestinal.
A possibilidade de um papel para os nucleótidos exógenos na modulação da função imunitária normal foi sugerida por estudos experimentais. Os efeitos dos nucleótidos dietéticos foram examinados num modelo de aloenxerto de coração de rato recém-nascido. Antes do transplante, os ratos BALB/c foram mantidos com uma ração padrão de roedores, uma dieta sem nucleótidos, ou uma dieta sem nucleótidos suplementada com RNA 0,25% de levedura como fonte de nucleótidos. A sobrevivência do aloenxerto foi significativamente prolongada no grupo sem nucleótidos, em comparação com os grupos com suplementação de vaca e RNA (Van Buren et al., 1983a). Utilizando as mesmas dietas de estudo, os investigadores examinaram a resposta linfoproliferativa aguda ao aloantigénio. Os animais que recebiam dietas sem nucleótidos tinham uma supressão significativa da resposta proliferativa (Van Buren et al., 1985). Do mesmo modo, a hipersensibilidade cutânea retardada em caso de desafio com derivados proteicos purificados ou glóbulos vermelhos de ovelhas foi diminuída no grupo de dieta sem nucleótidos, em comparação com os grupos de vacas ou grupos suplementados com RNA (Van Buren et al., 1982b).
Outra experiência examinou os efeitos de uma dieta sem nucleótidos na resposta imunitária das quimeras de medula óssea singenética de ratos. O conjunto de enxertos agudos versus doenças do hospedeiro foi atrasado no grupo isento de nucleótidos (Kulkarni et al., 1984). Além disso, a resposta in vitro proliferativa das células do baço à fitohemaglutinina foi significativamente reduzida neste grupo. Estas experiências sugeriram que o linfócito T é o alvo da privação dietética de nucleótidos. Para determinar os mecanismos responsáveis por este fenómeno, as características fenotípicas das subpopulações linfocitárias foram estudadas em ratos mantidos numa dieta livre de nucleótidos e comparados com ratos alimentados com vacas ou ratos que recebem dietas livres de nucleótidos repletas de RNA, adenina, ou uracil. A restrição ou os nucleótidos afectaram os fenótipos de linfócitos T e a função das células T. A produção de interleucina-2, uma linfocina vital para a proliferação de linfócitos T, foi suprimida nos linfócitos esplénicos irradiados após estimulação concanavalina-A no grupo com deficiência de nucleótidos. Estes dados sugerem que os linfócitos auxiliares/indutores T requerem nucleótidos exógenos (Van Buren et al., 1985). As mesmas dietas foram utilizadas para determinar a influência da privação alimentar dos nucleótidos na resistência à infecção em ratos. A restrição dos nucleótidos aumentou a mortalidade por septicemia estafilocócica e afectou negativamente a resistência do hospedeiro à Candida (Fenslow et al., 1988). A adição de uracil à dieta livre de nucleótidos em ambas as experiências acima referidas resultou numa resistência semelhante à dos grupos alimentados com chow- ou RNA-suplemento, indicando que o uracil pode desempenhar um papel fundamental na resistência à infecção. A função fagocitária também foi avaliada nos ratos submetidos a um desafio de Staphylococcus aureus. Macrófagos de ratos na dieta sem nucleótidos demonstraram uma diminuição da actividade fagocitária, medida pela absorção de bactérias radiolocidas (Kulkarni et al., 1986).
A relação dos nucleótidos com a imunidade também foi estudada por Carver et al. (1990). A adição de nucleótidos a uma dieta livre de nucleótidos, alimentada a ratos, resultou num aumento da fagocitose de macrófagos, juntamente com um aumento da actividade celular natural assassina (NK) das células do baço. Estes autores também relataram recentemente um estudo duplo-cego controlado demonstrando que 13 bebés alimentados com fórmula sem nucleótidos tiveram uma actividade NK semelhante à de 9 bebés amamentados e significativamente superior a 15 que receberam fórmula sem nucleótidos (Carver et al., 1989). Os estudos com animais e os dados humanos preliminares são favoráveis, mas é demasiado cedo para concluir que todos os bebés “saudáveis” beneficiariam da suplementação da fórmula com nucleótidos através de uma maior resistência às infecções.
Nucleótidos podem também afectar o microambiente gastrointestinal dos bebés, uma vez que se sabe que varia com a dieta. O tracto gastrointestinal de uma criança amamentada tem uma predominância de bifidobactérias, que têm sido sugeridas para proteger contra gastroenterite associada a bactérias enteropatogénicas (Braun, 1981). Experiências in vitro revelaram que a adição de nucleótidos às bifidobactérias em meios de cultura mínimos aumentou o seu crescimento (Gil et al., 1986). Os bebés alimentados com fórmula suplementada com nucleótidos tinham percentagens mais elevadas de bifidobactérias fecais e percentagens mais baixas de enterobactérias gram-negativas do que os bebés alimentados com fórmula (Gil et al., 1986). Assim, é possível que os nucleótidos dietéticos possam favorecer o desenvolvimento de uma flora fecal semelhante à dos lactentes amamentados.
Experiências in vitro e in vivo mostram que a nova síntese de purinas é limitada ou inactiva em células epiteliais intestinais, medida pela incorporação de glicina rotulada em ácidos nucleicos da mucosa (Savaiano e Clifford, 1981; Rudolph et al., 1984). As enzimas responsáveis pela via de recuperação da purina são elevadas no intestino delgado; a actividade da enzima chave para a síntese de novo purinas, o fosforibosil pirofosfato amido transferase, é aumentada por uma dieta livre de nucleótidos. Estes dados indicam que os nucleótidos dietéticos podem desempenhar um papel na determinação do pool de nucleótidos intestinais (Rudolph et al., 1984; Leleiko et al., 1987). Dado que o intestino incorpora quantidades proporcionalmente maiores de nucleótidos alimentares, seria lógico que o intestino seria o mais afectado pelo fornecimento de nucleótidos alimentares. No jejuno superior de ratos desmamados alimentados com dietas sem nucleótidos havia menos proteínas e ADN, e as vilosidades eram mais curtas. A actividade do maltase era significativamente mais baixa em todas as porções do intestino, mas mais significativamente na porção proximal (Uauy et al., 1990). Num modelo experimental de suplemento de nucleótido de diarreia crónica levou a um aumento da maltase em todo o intestino (Nunez et al., 1990a). Num estudo de microscopia electrónica de varrimento em ratos, a suplementação com nucleótidos induziu um aumento da altura das vilosidades e uma maior superfície e uma diminuição dos linfócitos intra-epiteliais (Bueno et al., 1994). Outros estudos devem ser feitos para explorar a importância destes resultados e a sua relevância para a nutrição infantil.