p> É muito difícil, particularmente para a mente ocidental, compreender que a vida não tem um propósito. E é belo que não tenha um propósito. Se é intencional, então tudo se torna absurdo – então quem decidirá o propósito? Então tem de ser concebido algum Deus que decide o propósito, e então os seres humanos tornam-se apenas marionetas; então não é possível a liberdade. E se houver algum propósito, então a vida torna-se empresarial, não pode ser extasiante.
O Ocidente tem pensado em termos de propósito, mas o Oriente tem pensado em termos de falta de propósito. O Oriente diz que a vida não é um negócio, é uma peça de teatro. E uma peça de teatro não tem realmente qualquer propósito, não tem qualquer propósito. Ou pode dizer-se que a peça é o seu próprio propósito, brincar é suficiente. A vida não é alcançar algum objectivo, a própria vida é o objectivo. Não está a evoluir em direcção a algum fim; neste preciso momento, aqui e agora, a vida é definitiva.
A vida tal como ela é, é aceite no Oriente. Não está a evoluir para algum fim, porque se há algum fim quem decidirá o fim e porquê? Se Deus o decidir, então pode fazer a mesma pergunta sobre Deus: “Qual é o propósito de criar um mundo com propósito” ou, “Por que deveria ele criar um mundo com propósito” ou ainda mais profundamente, “Qual é o propósito da existência de Deus”? Talvez a vida tenha um propósito e Deus decide o propósito, mas então a existência de Deus tem de ser questionada – porque é que Ele existe – e dessa forma a questão é simplesmente empurrada um passo à frente.
Então Deus torna-se sem propósito, ou tem de se criar outro Deus para decidir o propósito deste Deus. Então estará numa regressão ad infinitum, então não há fim para isto. Algures no fundo, terá de chegar à conclusão de que este fenómeno não tem fim; caso contrário, não há fim. Então porquê ir do mundo para o Deus? Porque não dizer que a própria vida não tem um fim? Todo o jogo dos lógicos, teólogos, é, de certa forma, estúpido. Dizem: “Deus criou o mundo, porque como poderia o mundo vir a existir se não houvesse ninguém que o criasse”? Mas a questão pode ser colocada: “Quem criou o Deus?”. – e depois caem por si próprios. Dizem: “Deus não é criado”
Se Deus pode existir sem ter sido criado, porque não pode esta vida em si existir sem ter sido criada? Se se aceita que algo é possível sem ser criado, então qual é o problema? Então porquê pensar num Deus que criou o mundo? O Oriente diz que Deus não é o criador, Deus é a criação. Ninguém o criou, ele está lá. Tem sido sempre assim, será sempre assim – às vezes manifesto, às vezes imanifesto; às vezes visível, às vezes invisível. Continua a mover-se em ritmo periódico, em círculo. Mas a própria existência não é criada e não tem qualquer objectivo.
Então pensa nela também de outras formas. Em primeiro lugar, se existe um objectivo, porque é que ainda não foi alcançado? A existência tem existido atemporalmente, milhões e milhões de anos-luz, e o objectivo ainda não foi alcançado. Quando é que será atingido? Se já passaram tantos milhões e milhões de anos-luz e o objectivo não se encontra em lado nenhum, quando será alcançado? Em segundo lugar, se um dia o objectivo for alcançado, o que acontecerá à existência? Irá desaparecer? Quando o objectivo for cumprido, então o quê? Conceber um momento, algures no futuro, em que o objectivo seja cumprido: para que existirá então? Então será sem propósito que existirá.
A realidade é esta: que já é sempre sem propósito. Não há nenhum objectivo para o qual a existência se esteja a deslocar. Está a mover-se, mas não em direcção a qualquer objectivo. Tem um valor, mas o valor não está no fim, o valor é intrínseco. Ama-se alguém. Já fez a pergunta: “Para que fim existe o amor?”. A mente, uma mente calculista, é obrigada a perguntar: “Porquê o amor? Qual é a finalidade?” Se puder responder então uma coisa é certa – que não está apaixonado. Se conseguir mostrar o propósito então o amor não está lá, é um negócio, é uma pechincha. Mas os amantes dirão sempre que não existe um propósito.
Estar apaixonado é o objectivo. O objectivo não está noutro lugar; é intrínseco, está no próprio fenómeno do amor. O objectivo já está alcançado. Quando se é feliz, perguntou-se: “Qual é a finalidade de ser feliz?”. Pode haver algum propósito em ser feliz? Quando se é feliz, nunca se pergunta porque a pergunta é absurda. A felicidade é o próprio objectivo, não há qualquer propósito para ela. A vida é como o amor, a vida é como a felicidade. A vida é existência – não há objectivo. E uma vez que consiga compreender isto, a sua maneira de viver mudará totalmente, porque se não houver propósito na própria vida não há necessidade de criar também um propósito para a sua vida individual – não há necessidade. Por causa dos propósitos individuais que se tornam tensos, algo tem de ser alcançado.
Então é criada uma mente realizadora que está sempre a tentar alcançar algo ou outro. E sempre que algo é alcançado novamente, a mente pergunta: “E agora? O que deve ser alcançado agora”? Não pode permanecer consigo mesmo, tem de continuar a alcançar. Esta mente realizadora nunca será feliz, será sempre tensa. E sempre que algo é alcançado, a mente realizadora sentir-se-á frustrada, porque agora novos objectivos têm de ser inventados. Isto está a acontecer na América. Muitos dos objectivos do século passado foram alcançados, pelo que a América está numa profunda frustração.
Todos os objectivos dos pais fundadores que criaram a América e a constituição americana estão quase a ser alcançados. Na América, a sociedade tornou-se próspera pela primeira vez em toda a história da humanidade. Quase toda a gente é rica. O homem pobre da América é um homem rico aqui na Índia. Os objectivos quase foram alcançados – agora o que fazer? A sociedade tornou-se próspera: a comida está lá, o abrigo está lá, todos têm carro, rádio, frigorífico, televisão – agora o que fazer? Sente-se uma profunda frustração, alguns outros objectivos são necessários. E parece não haver objectivos.
Em vez de um carro pode ter dois carros – uma garagem de dois carros tornou-se o objectivo – ou pode ter duas casas, mas isso será alcançado dentro de dez anos. Seja qual for o objectivo que possa ser alcançado. Então a mente atingida sente-se frustrada. O que fazer agora? Precisa novamente de um objectivo, e tem de se inventar um objectivo. Assim, todo o negócio americano depende agora de inventar objectivos. Dar objectivos às pessoas – é isso que a publicidade e todo o negócio da publicidade está a fazer.
Criar objectivos, seduzir as pessoas: “Agora este é o objectivo! Tens de ter isto, senão a vida é sem propósito”! Começam a correr, porque têm uma mente realizadora. Mas onde é que isso nos leva? Leva a mais e mais neurose. Só uma mente que não alcança pode estar em paz. Mas uma mente que não alcança só é possível com o pano de fundo de um desígnio cósmico. Se toda a existência é sem propósito, então não há necessidade de se ser propositado. Então pode brincar, pode cantar e dançar, pode desfrutar, pode amar e viver, e não há necessidade de criar qualquer objectivo. Aqui e agora, neste preciso momento, o derradeiro está presente.
Se estiver disponível, o derradeiro pode entrar em si. Mas não estás disponível aqui; a tua mente está algures no futuro, em algum objectivo. A vida não tem qualquer propósito e esta é a beleza da mesma. Se houvesse algum propósito, a vida teria sido má – apenas fútil. Não é um negócio, é uma peça de teatro. Na Índia temos vindo a chamar-lhe leela. Leela significa uma peça cósmica… como se Deus estivesse a brincar. Energia a transbordar, não para algum propósito, apenas para se divertir; apenas uma criança pequena a brincar – para que propósito? Correr atrás de borboletas, recolher pedras coloridas na praia, dançar debaixo do sol, correr debaixo das árvores, recolher flores – com que finalidade?
Ask uma criança. Ele olhará para si como se fosse um tolo. Não há necessidade de um propósito. A sua mente foi corrompida. Universidades, faculdades, educação, sociedade, corromperam-te. Fizeram de si um condicionamento no seu íntimo que, a menos que algo tenha um propósito, é inútil – por isso, tudo deve ter um propósito. Uma criança a brincar não tem um propósito. No máximo, se a criança pudesse explicar, diria: “Porque eu me sinto bem. Correndo, sinto-me mais vivo. Coleccionar flores, eu gosto, é extasiante”. Mas não há propósito. O próprio acto em si mesmo é belo, extasiante. Para estar vivo é suficiente, não há necessidade de qualquer propósito.
Porquê pedir mais alguma coisa? Não se pode estar satisfeito apenas por estar vivo? É um tal fenómeno. Basta pensar em si próprio como uma pedra. Poderia ter sido, porque muitos ainda são pedras. Deves ter estado algures no passado, em algum momento, uma pedra. Pense em si mesmo como uma árvore. Deves ter estado em algum lugar uma árvore, um pássaro, um animal, um insecto. E depois pensa em ti mesmo sendo um homem – consciente, alerta, o pico, o clímax de todas as possibilidades. E não está satisfeito com isso. Precisa de um propósito, caso contrário a vida é inútil.
Sua mente foi corrompida por economistas, matemáticos, teólogos. Corromperam a tua mente, porque todos eles falam de propósito. Dizem: “Faça algo se algo for alcançado através dele. Não faças nada que não leve a lado nenhum”. Mas digo-vos que quanto mais puderem desfrutar de coisas que são inúteis, mais felizes serão. Quanto mais puderem desfrutar de coisas que são inúteis, mais inocentes e felizes serão. Quando não precisa de qualquer propósito, simplesmente celebra o seu ser.
Sente gratidão apenas por ser, apenas por respirar. É uma bênção tal que se pode respirar, que se está alerta, consciente, vivo, em chamas. Não será suficiente? Precisas de algo a alcançar para que te sintas bem, para que te sintas valorizado, para que sintas que a vida é justificada? Que mais se pode alcançar do que aquilo que se é? O que mais pode ser acrescentado à tua vida? Que mais podes acrescentar à tua vida? Nada pode ser acrescentado, e o esforço destruir-te-á – o esforço para acrescentar algo.
Mas durante muitos séculos em todo o mundo têm ensinado todas as crianças a serem propositadas. “Não perca o seu tempo! Não desperdice a sua vida”! E o que querem eles dizer? Significam: “Transforma a tua vida num saldo bancário. Quando se morre, é preciso morrer rico. Esse é o propósito”. Aqui no Oriente – particularmente os místicos de que estamos a falar, os Upanishads – eles dizem: “Vive ricamente”. No Ocidente dizem: “Morre um homem rico”. E estas são coisas totalmente diferentes. Se se quer viver ricamente, é preciso viver aqui e agora, nem um único momento se perde. Se quiser alcançar algo, morrerá um homem rico – mas viverá um homem pobre, a sua vida será pobre.
p>Vejam as pessoas ricas: a sua vida é absolutamente pobre, porque estão a desperdiçá-la, transformando-a em saldos bancários, transformando a sua vida em dinheiro, em grandes casas, em grandes carros. Todo o seu esforço é que a vida tem de ser mudada para algumas coisas. Quando eles morrem, é possível contar as suas coisas. Buda tornou-se um mendigo. Ele nasceu rei, tornou-se um mendigo. Porquê? Apenas para viver ricamente… porque ele veio a compreender que existem duas maneiras de viver: uma é morrer ricamente, a outra é viver ricamente.
E qualquer homem que tenha alguma compreensão escolherá viver ricamente, porque morrer um homem rico não significa nada; simplesmente desperdiça-se para nada. Mas isto só é possível se se puder conceber que toda a existência é sem propósito; é um jogo cósmico, um jogo belo e contínuo, um belo esconde-esconde – não levando a lado nenhum. O objectivo não está em lado nenhum. Se este é o pano de fundo, então não precisa de se preocupar com propósitos individuais, evolução, progresso. Esta palavra progresso é a doença básica da era moderna. Qual é a necessidade?
Tudo o que pode ser desfrutado está disponível, tudo o que precisa para ser feliz está aqui e agora. Mas cria-se condições e diz-se que, a menos que essas condições sejam satisfeitas, não se pode ser feliz. Diz-se: “Estas condições devem ser cumpridas primeiro: este tipo de casa, este tipo de roupa, este tipo de carro, este tipo de esposa, este tipo de marido. Todas estas condições têm de ser preenchidas primeiro, depois eu posso ser feliz”. Como se, ao ser feliz, se fosse obrigar todo o universo. E quem vai cumprir as suas condições? Quem está preocupado?
Mas vai tentar cumprir essas condições, e o esforço vai ser tão longo que nunca poderão ser realmente cumpridas, porque sempre que algo é cumprido, no momento em que é cumprido, o objectivo mudou. Um dos meus amigos estava a concorrer a uma eleição, uma eleição política, por isso veio ter comigo para me abençoar. Eu disse: “Não vou dar a bênção porque não sou vosso inimigo, sou um amigo. Só posso abençoar-vos por não serdes eleitos, porque esse será o primeiro passo para a loucura”. Mas ele não me quis ouvir. Ele foi eleito, tornou-se membro. No ano seguinte veio novamente para a minha bênção e disse: “Agora estou a tentar ser vice-ministro”
P>Pedi-Ihe: “Estava a dizer que se pudesse tornar-se membro do parlamento ficaria muito feliz, mas não vejo que esteja feliz. Estás mais deprimido e mais triste do que alguma vez estiveste”. Ele disse: “Agora este é o único problema: estou preocupado. Há muita concorrência. Só se eu puder ser vice-ministro é que tudo correrá bem”. Ele tornou-se vice-ministro. Quando estava de passagem pela capital, ele veio ver-me novamente e disse: “Penso que tinha razão, porque agora o problema é como se tornar ministro”. E penso que este é o objectivo. Não vou mudá-lo. Uma vez que me tornei ministro, está terminado”
Ele tornou-se ministro agora, e veio ter comigo há alguns dias atrás e disse: “Só mais uma bênção”. Devo tornar-me ministro chefe”. E ele está cada vez mais preocupado, cada vez mais intrigado, porque mais problemas têm de ser enfrentados, mais competição, mais política feia. E ele é um homem bom, não um homem mau. Eu disse-lhe: “A menos que te tornes o Deus supremo, não ficarás satisfeito”. Mas ele não pode olhar para trás e não consegue compreender a lógica da mente, a lógica da mente realizadora.
Nunca pode estar satisfeito, a forma como se comporta cria cada vez mais descontentamento. Quanto mais tiver, mais descontentamento sentirá, porque mais arenas se tornam abertas para competir, para alcançar. Um homem pobre está mais satisfeito porque não pode pensar que pode alcançar muito. Assim que começa a alcançar algo, pensa que mais é possível. Quanto mais se consegue, mais se torna possível, e isto continua para sempre. Um meditador precisa de uma mente que não alcança, mas uma mente que não alcança só é possível se se puder contentar com a falta de propósito. Basta tentar compreender toda a peça cósmica e fazer parte dela.
Não seja sério, porque uma peça nunca pode ser séria. E mesmo que a peça necessite que seja séria, seja brincalhona, não seja realmente séria. Então, este preciso momento torna-se rico. Então, neste preciso momento, pode avançar para o derradeiro. O derradeiro não é no futuro, é o presente, escondido aqui e agora. Portanto, não pergunte sobre o propósito – não há nenhum, e eu digo que é bonito que não haja nenhum. Se houvesse propósito, então o vosso Deus seria apenas um director ou um grande empresário, um industrial, ou algo do género.
Jesus diz…. Alguém lhe perguntou: “Quem será capaz de entrar no reino do teu Deus? Jesus disse: “Aqueles que são como as crianças pequenas”. Este é o segredo. Qual é o significado de ser uma criança pequena? O significado é que a criança nunca é como uma criança de negócios, é sempre brincalhona. Se se pode tornar brincalhão, tornou-se novamente criança, e só as crianças podem entrar no reino de Deus, mais ninguém, porque as crianças podem brincar sem perguntar para onde é que isso as leva. Podem fazer casas de areia sem perguntar se vão ser permanentes.
p>Pode alguém viver nelas? Serão capazes de resistir ao vento que sopra? Eles sabem que dentro de minutos irão desaparecer. Mas são muito sérios quando estão a brincar. Podem mesmo lutar pelas suas casas de areia ou casas de cartas. São muito sérios quando estão a criar. Estão a gostar. E não são tolos, sabem que estas casas são apenas casas de cartas e que tudo é uma farsa. Porquê perder tempo a pensar em termos de negócios? Porque não viver cada vez mais de forma lúdica, não séria e extasiante?
Ecstasy não é algo que se possa alcançar com alguns esforços, o ecstasy é uma forma de viver. Momento a momento tem de se estar extasiado, coisas simples têm de ser desfrutadas. E a vida dá milhões de oportunidades para desfrutar. Sentiremos a sua falta se formos propositados. Se não for propositado, cada momento terá tantas oportunidades para estar extasiado. Uma flor, uma flor solitária no jardim… poderá dançar se não for proposital. A primeira estrela da noite… pode cantar se não tiver propósitos. Um rosto bonito… pode ver o divino nele, se não for possessivo. À volta do divino está a acontecer, o derradeiro está a tomar banho. Mas só o conseguirá ver se não for propício e brincalhão.
p>- Osho, “Vedanta”: Sete Passos para Samadhi”