Somatovisceral Reflexes
A existência de reflexo somatovisceral indica que as fibras aferentes viscerais não são os únicos iniciadores de respostas viscerais; as fibras aferentes somáticas também podem estimular reflexivamente as fibras eferentes autonómicas. Isto ocorre geralmente quando as alterações da temperatura da pele resultam em respostas vasomotoras e sudomotoras cutâneas. Embora existam provas de que estimular os receptores das fibras somáticas aferentes produz alterações na actividade visceral, o circuito neural exacto para os reflexos somatoviscerais não é claramente compreendido.
Sato e colegas (Sato, Sato, & Schmidt, 1984; Sato & Swenson, 1984; Sato, 1992a,b) forneceram muitas provas que apoiam a presença de reflexos somatoviscerais. Utilizando ratos anestesiados, estimularam os receptores das fibras somáticas aferentes da pele, músculo e articulação do joelho e mediram as alterações reflexas no ritmo cardíaco, motilidade intestinal, contratilidade da bexiga, actividade nervosa adrenal medular, e secreção da medula adrenal. As respostas reflexas aos estímulos cutâneos produziram as seguintes respostas variadas, dependendo do tipo de estímulos e órgão envolvidos:
Estímulos mecânicos nocivos e inócuos e estímulos térmicos produziram um aumento da frequência cardíaca.
A beliscadura nociva da pele abdominal resultou na inibição da motilidade gástrica, embora a motilidade tenha por vezes sido facilitada quando o retropé era beliscado.
p>A estimulação da área perianal causou um aumento do efervescência e contracções reflexas numa bexiga quiescente (ligeiramente expandida), mas isto causou a inibição das contracções da bexiga numa bexiga expandida.
P>A beliscadura nociva da pele e os estímulos térmicos nocivos resultaram num aumento da actividade secretora e neural para (através do nervo esplâncnico maior) a medula da glândula adrenal, enquanto que os estímulos inócuos tiveram o efeito oposto.
Fibras aferentes dos músculos tipo III e IV, estimuladas por injecções intra-arteriais de cloreto de potássio (KCl) e bradicinina (ambos agentes analgésicos), produziram os seguintes efeitos no ritmo cardíaco e músculo liso da bexiga:
“A injecção de KCl acelera regularmente o ritmo cardíaco. Com bradicinina, tanto acelerações como desacelerações podem ser observadas” (Sato, 1992a).
p>Todas as substâncias tiveram efeitos na bexiga semelhantes aos iniciados por estímulos cutâneos (isto é, excitação para a bexiga quiescente e inibição para as contracções de uma bexiga expandida).
Receptores de articulação tanto de uma articulação normal como de uma articulação inflamada do joelho foram estimulados por movimentos tanto dentro como fora do intervalo normal de movimento da articulação. Os resultados mostraram que o ritmo cardíaco e a actividade secretora e nervosa da medula adrenal aumentaram quando a articulação normal do joelho foi movida para além do seu intervalo normal e quando a articulação inflamada do joelho foi movida dentro e fora do seu intervalo normal, com um aumento maior a ocorrer durante este último. Estes dados indicaram a variabilidade que pode ocorrer em diferentes efectores em resposta a vários estímulos de fibras somáticas aferentes. Estas experiências mostraram que os efectores podiam ser mediados tanto por fibras eferentes simpáticas como parassimpáticas e que a resposta podia ser excitatória ou inibitória. Além disso, as respostas reflexas podem ser integradas a nível segmentar (medula espinal) ou a nível supraspinal, e os dados indicaram que ambos os caminhos foram utilizados. Por exemplo, a integração segmentar ocorreu para o reflexo cutaneovesical da bexiga quiescente, reflexo cutaneoadrenal, e reflexo cutaneogástrico, e a integração supraspinal foi necessária para o reflexo cutaneocárdico e o reflexo cutaneovesical da bexiga expandida.
Em outras experiências explorando o reflexo somatovisceral, foram aplicadas diferentes forças ao aspecto lateral de duas regiões de espinhas imobilizadas de ratos anestesiados (Fig. 10-28) para estudar o efeito no ritmo cardíaco, pressão sanguínea, e actividade no nervo adrenal até à medula adrenal e o nervo renal até ao rim (Sato & Swenson, 1984; Sato, 1992a). A flexão lateral resultante da força mecânica aplicada estimula as fibras aferentes que abastecem a coluna vertebral e produziu os seguintes resultados:
p> Uma diminuição consistentemente grande da pressão arterial que voltou ao normal após a remoção do estímulop> Uma diminuição inconsistentemente pequena da frequência cardíacap> Uma diminuição do fluxo sanguíneo para os músculos gastrocnémio e bíceps femoris, com uma diminuição concomitante da pressão arterial sistémicap> Uma diminuição inicial da actividade no nervo renal e subsequente recuperação, tanto durante o período de estimulaçãop> Uma diminuição inicial da actividade no nervo adrenal com um regresso gradual à actividade de base, que foi seguido por um aumento adicional da actividade (provavelmente causado por uma resposta reflexa mediada por um barorreceptor)
Um estudo em 2006 (Bolton, Budgell, & Kimpton, 2006) investigou o efeito de estímulos mecânicos inócuos das vértebras cervicais sobre a actividade no nervo simpático à glândula adrenal. Foram utilizados ratos para verificar se o deslocamento cervical intervertebral localizado resultou numa mudança na actividade do eferente simpático. Para prevenir a activação do sistema vestibular e quaisquer respostas de reflexo vestibulossimpático resultantes, as cabeças dos ratos foram fixadas no lugar. A resposta do nervo simpático foi primeiramente testada por estímulos cutâneos mecânicos inócuos (escovagem da pele do pescoço) e estímulos nocivos (beliscar a mandíbula). Os resultados mostraram um aumento da actividade a estímulos nocivos e não mostraram qualquer resposta a estímulos inócuos, que eram consistentes com os dados de outros estudos. A baixa amplitude, o deslocamento a baixa velocidade da vértebra C2 em vários intervalos dentro do intervalo fisiológico normal foi realizado nos ratos. Em geral, os resultados do estudo sugerem que a actividade nervosa simpática à glândula supra-renal não foi alterada de forma reflexiva por estímulos mecânicos inócuos induzidos por movimentos de baixa amplitude e baixa velocidade da vértebra C2. Contudo, observou-se em alguns ratos que as deslocações vertebrais C2 com rotação superior a 20 graus (para além do intervalo fisiológico normal) resultaram na modulação da actividade nervosa adrenal e numa alteração da pressão sanguínea. Estes dados, que são típicos de uma resposta simpática a um evento prejudicial, podem indicar que um evento nocivo ocorreu como resultado do deslocamento mecânico de C2 nos graus de rotação mais elevados que ocorrem para além dos limites normais de rotação.
Mais estudos confirmaram o facto de que os estímulos nocivos e inócuos afectam as respostas cardiovasculares e outras respostas autonómicas. Kurosawa e colegas (2006) utilizaram ratos anestesiados e estudaram os efeitos de estímulos mecânicos (escovagem) inócuos no fluxo sanguíneo para a medula espinal dorsal. O fluxo sanguíneo foi medido quando a papada dianteira, o membro anterior, o membro superior e inferior das costas, o membro inferior, e o membro posterior foram estimulados. Os dados indicaram que um aumento ipsilateral do fluxo sanguíneo ocorreu sem alteração da pressão sanguínea e que foi organizado segmentarmente por excitação neuronal na medula. Kurosawa e colegas sugeriram que os nervos simpáticos e α-adrenoceptores podem estar envolvidos nesta resposta somato-autonómica reflexa, mas que os efeitos metabólicos (por exemplo, a libertação de vasodilatadores locais) induzidos pela excitação neuronal também podem contribuir. Toda et al. (2008) estudaram ratos anestesiados e os efeitos de estímulos mecânicos nocivos (beliscões) cutâneos no fluxo sanguíneo da medula espinal dorsal. Neste estudo, o fluxo sanguíneo da medula espinhal (SCBF), que foi medido na região da medula espinhal associada ao cordão umbilical, foi aumentado quando as quatro patas foram estimuladas, embora o fluxo sanguíneo tenha aumentado mais para a estimulação ipsilateral da dorso-medula. A pressão arterial média (PAM) também aumentou quando os estímulos foram aplicados nas patas. Para obter uma maior percepção do mecanismo do aumento da SCBF, foram realizadas experiências em que os barorreceptores foram desnervados, a fenoxibenzamina (α-adrenoceptor antagonista) e a fenilefrina (α-adrenoceptor agonista) foram administrados por via intravenosa, e os ratos foram espinafrados. Com base nos dados, os autores sugerem que os reflexos somato-autonómicos (simpáticos) e as respostas autoregulatórias (ambos possivelmente através da activação de α-adrenoceptores) bem como a pressão arterial sistémica fornecem mecanismos que geralmente regulam a SCBF. No entanto, porque um aumento da SCBF em ratos espinalizados e em ratos tratados com fenoxibenzamina e fenilefrina ocorreu quando o retropaw ipsilateral foi estimulado, foi proposto que também existia um mecanismo específico para aquela região local. Organizado ipsilateral e segmentarmente, o input sensorial resultaria na activação neuronal induzindo efeitos metabólicos no tónus vasomotor espinhal que pode já ter sido alterado em resposta ao aumento da pressão arterial sistémica e/ou estimulação cutânea mecânica nociva. Evidências anatómicas e experimentais demonstraram que se encontram numerosos mecanorreceptores em estruturas do pescoço (por exemplo, pele, músculos, tendões, ligamentos, periósteo, discos intervertebrais, articulações zigapofíacas) que trabalham em conjunto com o sistema vestibular para fornecer respostas reflexas às alterações posturais (Bolton, 1998). Os reflexos associados aos ajustamentos posturais incluem o reflexo cervicocólico, o reflexo tónico do pescoço, e o reflexo cervico-ocular. Além disso, há evidências de que a activação dos receptores cervicais provoca reflexos que produzem respostas autonómicas. Estudos experimentais sobre gatos (Bolton et al., 1998) sugeriram que a estimulação dos aferentes dos músculos do pescoço cervical produziu respostas cervico-impáticas e do reflexo cervico-ocular. Isto foi evidente pelas alterações observadas na actividade nervosa nos nervos esplâncnicos e abdominais maiores (motoneurões respiratórios à musculatura da parede abdominal), bem como no nervo hipoglossal. Foi estabelecido que a entrada de aferentes do pescoço é retransmitida através de núcleos vestibulares do tronco cerebral para neurónios simpáticos e respiratórios. Além disso, as transecções do tronco cerebral através da medula caudal realizadas para separar as ligações dos núcleos vestibulares do cordão mostraram que as fibras aferentes do pescoço também estimulam os nervos simpáticos e respiratórios sem se retransmitirem através dos núcleos vestibulares. No entanto, as transecções através do meio da medula, que possivelmente interrompem as fibras descendentes da medula ventrolateral rostral (VL) (parte da rede de controlo autonómico central), foram consideradas como alterando a actividade dos neurónios simpáticos e respiratórios. Portanto, com base nos dados destas experiências, parece existir um mecanismo complexo para produzir os reflexos cervicosimpiratórios e cervicorrespiratórios fisiologicamente normais. Este mecanismo complexo envolve estruturas do tronco cerebral caudal e da medula espinal, que devem estar intactas para que estes reflexos tenham lugar. Além disso, numerosos estudos em animais anestesiados indicam também que as respostas do reflexo autonómico são observadas em órgãos viscerais em resposta a estímulos somáticos. Alguns dos órgãos efectores estudados que demonstraram alterações são os tecidos gastrointestinais, coração, bexiga urinária, vasculatura dos nervos periféricos, vasculatura do cérebro, medula da glândula adrenal, e baço (ver artigo de Sato ).
Outros estudos com animais também confirmam que a estimulação das estruturas somáticas tem um efeito sobre as respostas autonómicas. Num estudo, os efeitos dos estímulos somáticos foram observados na motilidade da bexiga quiescente. Os resultados mostraram que houve um aumento no tónus muscular da bexiga em resposta a estímulos químicos nocivos do tecido interespinhoso mas pouca alteração na pressão da bexiga em resposta a estímulos somáticos inócuos (Budgell, Hotta, & Sato, 1998). Outro estudo animal examinou os efeitos da estimulação química nociva dos tecidos interespinhosos na motilidade gástrica. Os resultados mostraram que a motilidade era fortemente inibida e que o arco reflexo responsável por esta acção se situava segmentalmente na região torácica média a baixa. Embora se descobriu que tanto o fornecimento do nervo vago como o nervo simpático ao estômago estavam envolvidos no reflexo, a inervação simpática parecia ser mais importante (Budgell & Suzuki, 2000).
Foi também demonstrado que a função cardíaca pode ser alterada pela estimulação inócua dos mecanorreceptores através da manipulação da coluna vertebral. Estes reflexos são por vezes referidos como reflexos spinoviscerais. Budgell e Igarashi (2001) relataram um estudo de caso de um jovem com bradicardia e uma arritmia. Enquanto era monitorizado continuamente por electrocardiografia, foi realizada uma manipulação cervical (C2) da coluna vertebral no paciente, que resultou no desaparecimento coincidente da arritmia. Embora o resultado fosse claramente aparente, ainda não foi proposto nenhum mecanismo distinto para explicar o evento. Outro estudo investigou os efeitos da manipulação espinal (níveis C1 e C2) de adultos jovens saudáveis sobre a função cardíaca. Os resultados deste estudo, que utilizou manipulações fictícias e autênticas (estímulos não nocivos dentro das faixas fisiológicas normais de movimento), demonstraram alterações significativas na frequência cardíaca e variabilidade da frequência cardíaca (HRV) quando apenas as manipulações autênticas foram realizadas (Budgell & Hirano, 2001).
Em resumo, muitas experiências mostram que a estimulação somática aferente, especialmente a estimulação nociva, pode modular o débito autonómico, resultando em alterações na frequência cardíaca, pressão arterial, e actividade em eferentes simpáticos ao rim e medula da glândula adrenal. Isto inclui estudos que mostram que vários estímulos aplicados às estruturas espinais podem iniciar arcos reflexos somatoviscerais. Por exemplo, estudos mostram que a estimulação química nociva resulta na modulação da produção simpática relacionada com a actividade cardiovascular e adrenal medular (Budgell, Hotta, & Sato, 1995; Budgell, Sato, & Suzuki, 1997) e que a estimulação mecânica causa respostas variadas dependendo da localização e tipo de estímulo aplicado (Sato & Swenson, 1984; Bolton, Budgell, & Kimpton, 2006). Os processos patológicos que afectam a coluna vertebral também podem resultar em alterações reflexas na actividade visceral (Sato, 1992a). Com base nesta evidência, os componentes neurais para este tipo de reflexo somatovisceral existem. Além disso, a manipulação da coluna vertebral executada dentro da gama fisiológica normal de movimento pode estimular fibras somáticas aferentes para criar respostas do reflexo somatovisceral.